A Perda e o Luto Perinatal: uma dor silenciosa
Considera-se que 22% das mães que tiveram uma perda perinatal sofrem de algum transtorno psicológico, como depressão ou ansiedade, e 15-20% dos casais têm problemas para superar o luto.
Ainda que, não haja concordância em quando termina o processo de luto perinatal há autores que afirmam poder durar entre dois a quatro anos, embora após seis meses a um ano já não é geralmente o centro da vida emocional dos pais.
O luto caracteriza-se, como uma reação a?Ç quebra de um vínculo afetivo, pelo rompimento de uma relação significativa que implica a necessidade de mudança para adaptar-se a?Ç vida sem a concretização da maternidade que fica interrompida.
Neste sentido um luto implica antes de mais uma perda que para além de ser muito dolorosa traz também ao casal um sentimento de grande impotência para conseguirem elaborar e lidar com o luto perinatal, que é sentido por ambos como uma crise, pelo desequilíbrio que encontram entre a dificuldade do problema a ser enfrentado e os seus recursos pessoais imediatamente disponíveis para lidar com a situação.
Para melhor compreendermos estes dois conceitos:
Perda perinatal:
perda que ocorre a qualquer momento da gestação até ao primeiro mês de vida do bebé. Incluiu: abortos espontâneos ou induzidos, gravidez ectópica, redução seletiva (aborto induzidos de um ou mais fetos numa gestação múltipla), morte de um gémeo na gestação, feto morto no útero ou durante o parto, morte prematura ou recém-nascido, assim como, a entrega de uma criança para adoção.
Luto perinatal:
resposta natural dos pais e familiares perante uma perda perinatal. Implica a perda de outros aspetos, por exemplo, expectativas não correspondidas, perda de um filho ansiado, perda de uma etapa de vida e identidade como pai/mãe, luto pela infertilidade, perda de partilha de vivências no meio ambiente em que se vive ou espera de filhos.
Ambos os conceitos envolvem muitas emoções que são sonhadas a dois, onde veem expectativas, desejos, e sobretudo, fantasias que existem, muitas vezes, mesmo antes da gestação e/ou que acompanham toda a gravidez, frustradas repentinamente.
Trata-se, portanto, de um investimento afetivo na possibilidade de uma futura inter-relação que é interrompido e termina abruptamente, na vida destes casais.
No luto perder os pais ou um ente querido é perder o passado, mas perder um filho é como se o casal perdesse o futuro.
Esta questão é muito comum ser partilhada, seja através de emoções ou até mesmo verbalizada em consulta, até porque a maioria dos casais que recorrerem a tratamentos de infertilidade, que se deparam com um projeto parental adiado aos longo dos anos, tem frequentemente a tendência para viverem incessantemente o futuro sem prestarem tanta atenção ao percurso, ao presente.
É talvez por isso que quando ocorre um aborto precoce na gestação, a mulher que eventualmente se encontra mais vulnerável tende a ficar presa numa auto- culpabilização justamente porque se cobra pela falta de investimento afetivo que acha que deveria ter tido na sua gestação.
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Nesta perspetiva a própria incapacidade sentida em não poder vir ser mãe e assim completar a construção de sua identidade feminina, durante o período de gravidez abruptamente interrompido, leva a?Ç interpretação por parte da mulher, de um feminino inadequado, impróprio, com sentimentos de fracasso, incompetência, típicos da diminuição da sua autoestima.
O que consequentemente acaba por minar e abalar a autoconfiança sendo nesta altura natural que comecem a aparecer e a serem revelados medos de outras perdas, como por exemplo: do companheiro, da saúde, de não ser querida, não receber afeto, etc.
Para além do decréscimo que é espectável da autoestima e abalo na autoconfiança, existem autores que referenciam, aspetos de personalidade de mulheres que abortaram, mencionando o seguinte: “a autoimagem dessas mulheres tende a ser negativa cerca de (61,3%), o que esta?ü associada a autodescric?ºa?âo crítica e que é influenciada pelo que as mesmas imaginam que os outros pensam de si e da sua inadequac?ºa?âo” ,(QUAYLE, 1985).
Por outro lado, e complementarmente o que mais valorizam são aspetos psicológicos (serem calmas, tranquilas, fortes), físicos (beleza do rosto, seios, cabelos) ou situacionais (serem casadas, terem filhos), mas todas estas características intimamente relacionadas ao papel feminino.
Manifestações frequentes:
- Emocionais: tristeza; anseio; culpa; raiva; autocrítica: desespero; medo intenso/pânico; solidão; vazio interior; alívio em casos de gravidez indesejada ou de risco e sensação de luto social;
- Físicas: dor; transtornos do sono e de alimentação; cansaço; fadiga; debilidade; desconforto gástrico; aperto no peito; nó na garganta; dificuldade em engolir ou falar; falta de ar e hipersensibilidade ao ruído;
- Cognitivas: procura do significado da perda; ambivalência relativamente a uma nova gravidez; bloqueio mental; incredulidade; confusão; desorganização; dificuldade de atenção, concentração e memória e pensamentos e imagens recorrentes;
- Percetivas: pseudo-alucinações visuais, auditivas ou movimentos fetais fantasma; sonhos relacionados com o bebé e a perceção de abrandamento do tempo;
- Comportamentais: desapego e evitar ambientes sociais, sobretudo mulheres grávidas e bebés; hiperatividade ou hipoatividade e manutenção da conexão com o bebé perdido;
Processo de luta na perda perinatal (Payás, 2010)
- Atordoamento e choque: sintomas frequentes incluem ansiedade, choro, desespero, agressividade, atordoamento e incredulidade;
- Evitar e negar: pode ocorrer a minimização da importância da perda, manutenção da atividade para manusear a sintomatologia; culpa com pensamento ruminativo; substituição da perda decidindo ter outro filho imediatamente; isolamento social; tentar esclarecer a perda procurando as causas e os possíveis culpados, etc.
- Conexão e integração: nesta etapa os pais podem não oferecer tanta resistência a expressar abertamente os seus sentimentos; sentem a necessidade de falar sobre o sucedido, da sua relação com o bebé e do que sentem falta; já não se culpabilizam e responsabilizam ninguém; aparece a tristeza e os rituais de conexão com o bebé: visitar ou passear pelo sítio onde está o corpo, planificar uma pequena cerimónia familiar no dia do seu aniversário.
O que se pode fazer ou como lidar se temos uma pessoa próxima que está a passar por um luto perinatal?
- Permitir que se expressem emocionalmente acerca da perda e normalizem as reações: ouvir sem julgar ou interpretar os seus sentimentos; ouvir mais do que falar; facilitar a comunicação com perguntas sobre o seu estado de espírito e perguntar em que pode ajudar, não tentar adivinhar as suas necessidades.
- Apoiar de forma equitativa os dois parceiros/as: geralmente considera-se que os pais não sofrem, nem devem chorar ou mostrar a sua dor. Além disso, as mães são frequentemente ignoradas nos procedimentos administrativos. Ambas as atitudes constituem uma exclusão em questões relacionadas com os seus bebés e podem constituir fatores de risco para o desenvolvimento de um luto complicado.
- Favorecer a companhia da família próxima se os pais o desejarem, já que para os avós e outros familiares também é uma perda, assim como garantir a privacidade para facilitar a despedida e o luto.
- Os pais às vezes não pensam se querem ter memórias ou dar nome ao seu bebé. As decisões que eles tomam devem ser apoiadas, uma vez que pode ser importante a possibilidade de obter e conservar objetos relacionados com o recém-nascido. No entanto, também há que respeitar alguns pais que não queiram interagir com o seu bebé, tirar fotografias, guardar recordações ou celebrar um funeral.
- Evitar frases feitas: “Não se preocupem, terão outro bebé”; “Olha o lado positivo, teria nascido com problemas graves…”; “Devem ser fortes por outro filho/família…”; “É a vontade de Deus”; “O tempo cura tudo” e frases culpabilizadoras: “Terias que ter vindo antes ao hospital…”; “Não tinhas que tomar a medicação…”.
- Não se deve recomendar uma nova gestação até que não se tenha concretizado uma recuperação física e psicológica. A gravidez após a perda perinatal está associada ao aumento da ansiedade materna e vulnerabilidade emocional, sobretudo quando o intervalo entre as gravidezes é curto. O período de espera após uma perda é variável, por isso, não podem estabelecer-se recomendações dogmáticas a respeito e o período de espera dependerá de diferentes fatores individuais.
Fala se tens palavras mais fortes
que o silêncio, caso contrário,
guarda silêncio (Eurípides)
Com o apoio do Gabinete de psicologia IERA LISBOA – Drª Ana Magina